30
Mai
2016

Sobre espirais

… A espiral foi o motivo decorativo mais primitivo usado na arte Cristã Celta. Seu centro simbólico é o do mais elevado círculo de Deus em torno do qual todas as coisas giram ao redor, as espirais alongam-se a partir do centro enfatizando este movimento. Muitos padrões de espirais alcançam um senso de equilíbrio, de harmonia, pelo contraste de sentidos horário e anti-horário das espirais.

Com o círculo, a espiral é provavelmente um dos padrões mais antigos usados pelo homem. Podemos vê-la uma e outra vez na natureza, e na arte as espirais têm sido usadas para representar a evolução do universo e do crescimento da natureza. Ela está presente em primitivas danças rituais, voltadas à saúde e cerimônias de iniciação, simbolizando a fuga do mundo material e a entrada no outro mundo através da abertura representada pelo centro calmo e místico.

Courtney Davis – Celtic Illumination

… A tendência espiral dentro de cada um de nós reflete o anseio por crescimento em direção à plenitude. Cada totalidade é cíclica e tem começo, meio e fim. Tem início em um ponto, se expande e se diferencia, se contrai e desaparece no ponto mais uma vez. Tal padrão é o da nossa vida e pode muito bem ser a de nosso universo. Somente a escala de tempo mudou.

Nós começamos a nossa vida por assim dizer como um ponto: um minúsculo ovo fertilizado. Em matemática o ponto tem localização, mas não dimensão. Não tendo dimensão é pleno em possibilidade, desde de que possa se expandir igualmente em todas as direções, é necessariamente o centro. Quando nós enaltecemos e expandimos esse ponto nós constatamos que nosso ovo fertilizado se tornou uma esfera. Nossa meta é retornar para a esfera: a esfera da plenitude psíquica. Se nós temos uma meta para a qual retornamos, nós já temos presumido o caminho da vida como o tempo entre o ponto de total possibilidade, o germe rompendo com o potencial do nosso ciclo de vida pleno e nossa morte física “arredondada”, entidade consciente.

Se a vida é um caminho através do tempo e portanto um continuum, nós podemos também imaginá-la como uma linha; e além disso, desde que retorne e ainda possa fluir, ela é uma espiral. Apenas se fosse possível voltar para o mesmo ponto no tempo poderia ser um círculo. Qualquer movimento circular realizado na dimensão tempo e espaço torna-se uma espiral; e é por isso que aparentemente processos cíclicos no tempo nunca se repetem. Até mesmo a órbita da terra ao redor do sol é uma espiral no tempo, e cada ano é diferente em comparação ao anterior.

Jill Purce – The mystic spiral: Journey of the soul

… “A vida é como uma espiral e não como uma linha reta. Passado e futuro se encontram em um infinito presente”.

A espiral é a essência do mistério da vida. Assim como se centra, ela também para, se encontra, se retorce e, então, desce e sobe novamente em graciosas curvas. O tempo se retorce em torno de si mesmo, trazendo os ecos e vibrações enquanto que os caminhos vivos da espiral passam próximos um do outro. A vida corre por estradas sinuosas, os seres se encontram em determinados pontos de suas caminhadas, se entrelaçam, se afastam, partem, retornam às origens. O ponto de partida também é o ponto de chegada trazendo-nos a questão do retornar sempre, reencontrar-se e se renovar.

As espirais também circulam dentro de nós, a energia circula em espiral, é onde a matéria e o espírito mais perfeitamente se encontram, e o tempo, por ele mesmo, não existe. Os nativos lembram as diversidades da vida e dos caminhos, e não compreendem o mundo de forma linear, o seguir em frente em uma única direção como se a vida fosse uma linha reta traçada entre um ponto de início e um de término. O destino é sempre ir além. O grande desafio de todo ser, por natureza um guerreiro trilhando as estradas das espirais da vida, é essa busca, é o retorno, é a partida, é caminhar em círculos/ciclos assim como caminha a natureza, pois somos parte dela. É fazer girar a roda do tempo, não nos prendendo em nenhum ponto em específico porque, assim, podemos vislumbrar os mais diversos pontos que compõem a espiral.

Sobre as formas espiraladas e circulares, Alce Negro, dos Oglala Sioux coloca o seguinte: “Tudo que o poder do mundo faz é feito em círculo. O ceú é redondo, e tenho ouvido que a terra é redonda como uma bola, e assim também o são as estrelas. O vento, em sua força máxima, rodopia. Os pássaros fazem seus ninhos em círculos, pois a religião deles é a mesma que a nossa. O sol nasce e desaparece em círculo em sua sucessão, e sempre retornam outra vez ao ponto de partida. A vida do homem é um círculo, que vai da infância até a infância, e assim acontece com tudo que é movido pela força. Nossas tendas eram redondas como os ninhos das aves, e sempre eram dispostas em círculo, o aro da nação, o ninho de muitos ninhos, onde o Grande Espírito quis que nós chocássemos nossos filhos”.

Para os antigos celtas essa é toda a essência do mistério da vida. O circular, o espiralado. O tempo, uma das triplas linhas tão importantes para o imaginário celta, se retorce em torno de si mesmo. Os astecas achavam que certas flores que tinham em seu centro espirais, eram a alegria do mundo, mostrando o ciclo do sol, quando nasce e se põe, as estações, solstícios, ciclos assim como a vida dos homens. Os orientais falam da kundalini, do fluxo de uma energia em espiral, dos redemoinhos energéticos que perambulam nossos corpos.

Como vórtex de energia, as espirais encontradas em vestígios antigos expressavam um entendimento do cosmos, da energia vibrante, da vida, ou o seu contrário. Tradicionalmente, os ancestrais compreenderam que espirais no sentido horário representavam o nascer, o sol, a vida, o mundo de cima, a transformação pelas experiências exteriores. Para o sentido anti-horário, representavam a lua, a morte, o outro mundo, o mundo de baixo, o mundo dos sonhos e alucinações, intuição, as experiências transformadoras vindas do nosso interior. Para os hindus, o que no nosso mundo terrestre era no sentido anti-horário, para a esquerda, no mundo de baixo, no outro mundo, correspondia ao sentido horário. Hoje sabe-se que esses simbolismos expressam as funções cerebrais, o lado esquerdo do cérebro regula o lado direito de nosso corpo, o lado direito regula o lado esquerdo do corpo. Nem bom, nem mal, apenas diversidades que compõe o universo, uma perfeita simbiose, uma perfeita composição de energias.

Se vermos vários locais sagrados dos antepassados, desde o paleolítico, em qualquer parte do mundo, notaremos sempre a compreensão circular e espiralada. A espiral é a energia vital, é a energia em movimento, é a própria jornada.

Artigo original:
http://www.terramistica.com.br/index.php?add=Artigos&file=article&sid=146&ch=1